Prendulários ou a resistência da memória

(O realismo mágico em Alfredo Luz)

Texto de Nuno Rebocho


Todo o discurso sobre o real é um juntar de cacos, reunião de fragmentos que os sentidos e a mente recolhem nas suas jornadas. Por isso é que toda a leitura e teoria reordenam o caos. Eis o que vos é dito aqui nas telas de Alfredo Luz, com a sua batalha dele com a memória, feita com a heroicidade dos gestos ternos, com a tranquila ironia de quem, agarrado ao campo, não desiste do cordão umbilical, da afirmação da sua consciência e coerência. Ao contrário do que aparenta, não é um magrittiano: porque não é um pintor urbano e de interioridades, crítico amargo-jocoso das verdades convencionadas que recorre ao surreal para confrontar o homem com as frágeis certezas suas. Alfredo Luz percorre diferenças que, recordando embora o belga, desaguam noutras águas.

Olhai as cores baças de Luz: são cores da memória. Da memória que consigo traz, os fragmentos do seu ruralismo irredento a larvar no caldo cultural da urbe que o acolhe e intenta tripudiar. A pintura de Luz é um modo de resistência: paisagens que se refazem nas imagens justapostas, que constroem o seu mundo com imagens a partir das cores telúricas a projectar para a mente uma agressiva suavidade feita de carinhos por um espaço que foi seu, o qual, por ter sido perdido, foi reencontrado. É o imagético do migrante, do campesino que a vida (o homo aeconomicus) converteu em urbano. Mas que se mantém atilhado pelas mágicas dos ciclos da natureza e que por elas fala: se o discurso urbano é feito de frases, o campesino é feito de imagens. Duas vivências, dois modos de estar, dois discursos, dois tempos.

O que é notável: há anos que o pintor refaz este itenerário, outro indicador da sua cultura de resistência. Sobre os fundos nebulosos, amachucados de manchas, de indefinições de cor, revelam-se as formas rigorosas, as imagens fragmentadas e herdadas, conservadas pela persistente memória – o discurso da reminiscência. O discurso que é a medida do homem, da sua leira, do seu canto, do seu recanto, dos instrumentos do seu trabalho, das árvores residuais, do sentir na terra e com a terra, da natureza que recusa sucumbir. Olhai. A arte de Alfredo Luz é a memória dos olhares.

Prendulários: de prendas se fala. De prendas que são gestos e são dádivas, são relações entre pessoas, são conjugações e entrelaçares de vidas, são trocas de memórias e de imagens, são casamentos de seivas. São discursos complexos estribados na simplicidade dos processos, na enorme e estranha riqueza do simples. Tudo isto faz a força da pintura e da sua diferença - aquela diferença que distingue uma expressão de outra, que define e caracteriza uma arte.

As mãos e os frutos Mesa abençoada Máquina de semear A vigília Máquina de chilrear Cada cabeça sua sentença Histórias de navegantes Mais perto do céu Milagre da água Paisagem Congresso das árvores Vasos comunicantes Pássaros são presságios Série erótica I Série erótica II Série erótica III As mães As mães são uma torre Ofereço-te Casa dos desejos Cada terra seu costume Jardim dos desejos Visita inesperada Nazaré Os anjos ajudam Paisagem Instruções para pescar Casas comunicantes Tanto céu I Tanto céu II Tanto céu III

Curriculum

Alfredo Luz nasceu em Riomeão, Santa Maria da Feira, a 31 de Outubro de 1951. Leccionou a disciplina de Educação Visual em Luanda, Arouca, Felgueiras, Moimenta da Beira, Caneças e Lisboa.
Obras gráficas editadas pela EPNC, EPAL, RDP, Galeria Galveias, Galeria Grade, Editora Vigo, Didáctica Editora, Casino Estoril, Galeria Enes, Fundação Eugénio de Andrade, Instituto do Consumidor, Livros Horizonte, C.M. de Cascais e Ministério da Justiça.
Premiado em Pintura e Desenho. Objecto de dissertação de mestrado "A Fortuna Crítica do Surrealismo em Portugal Dos Pioneiros a Alfredo Luz", Universidade Nova de Lisboa, em 2011, por M. Raquel Costa.


Editaram textos sobre o artista

Carlos Lança, António Campos, Eurico Gonçalves, Fernando Pamplona, Lima de Carvalho, Manuel Vieira, Manuela de Azevedo, Porfírio Alves Pires, Rodrigues Vaz, Eunice Lopes, Baptista Bastos, Nuno de Oliveira Pinto, Aliette Martins, Pedro Barroso, José Carlos Cardoso, Inês Serra Lopes, Edgardo Xavier, Celestino Portela, Nuno Rebocho, Jorge Listopad, Teresa Pinto, Egídio Álvaro, Cruzeiro Seixas e M. Raquel Costa.

Próxima exposição


A anunciar brevemente


Exposições Individuais

1985 - Galeria Fonte Nova, Lisboa; 1986 - Galeria Grade, Aveiro; 1987 - Galeria Escada; 1988 - Galeria Ditec, Lisboa; 1989 - Galeria Casino Estoril "Trago Paisagens"; 1990 - Galeria Barata "Paisagens para Eugénio"; 1990 - Galeria São Francisco, Lisboa "Sons da Terra"; 1991 - Galeria Casino Estoril "Vem comigo ver Lisboa"; 1992 - Galeria S. Francisco, Lisboa "Naturezas – Arquivos de Denúncia"; 1993 - Galeria Grade, Aveiro "Almas Gémeas"; 1993 - Galeria Almadarte, Costa da Caparica "Nem Lírios, nem Rebanhos"; 1994 - Galeria Casino Estoril "Enquanto o vento faz discursos"; 1995 - Galeria Neupergama, Torres Novas "Percorro os campos até ao meu destino"; 1995 - Galeria São Francisco, Lisboa "Vem comigo ver Lisboa II"; 1996 - Galeria Almadarte, Costa da Caparica "Ainda sons da Terra"; 1996 - Galeria Inter-Atrium, Porto "Cidade de Pedra"; 1997 - Galeria S. Francisco, Lisboa "Lisbon revisited"; 1998 - Galeria Inter-Atrium, Porto "Metade do que dizem"; 1999 - Galeria Casino Estoril "O Prendulário"; 2000 - Galeria Almadarte, Costa da Caparica "É por nós que a fonte deita água"; 2001 - Galeria Inter-Atrium, Porto "As chuvas desacertaram as margens"; 2001 - Galeria Galveias, Lisboa "Onde moram as Heras"; 2003 - Galeria Inter-Atrium, Porto "A Lua Delirante"; 2004 - Parlamento Europeu, Bruxelas "Ce que les cartes ne disent pas" ; 2004 - Galeria São Francisco, Lisboa "Outras Bússolas"; 2006 - Galeria Municipal, Abrantes "Pintura"; 2006 - Galeria São Francisco, Lisboa "As mãos e usufrutos"; 2008 - Galeria Galveias, Lisboa "Manual para Lavrar"; 2009 - Galeria Palpura, Lisboa "Pintura"; 2009 - Galeria Cidiarte, Lisboa "A vontade dos Objectos"; 2009 - Galeria Magia Imagem, Lisboa "Pintura"; 2010 - Galeria São Francisco, Lisboa "Parto de um Objecto"; 2010 - Galeria Municipal do Seixal "A vontade dos Objectos II"; 2011 - Galeria Perve, Lisboa "Eu-Próprio os Outros"; 2011 - Galeria do Casino Estoril "Lavrando o Mar"; 2013 - Galeria Ikon, Braga "O suporte das Incertezas"; 2014 - Coliseu Micaelense, Ponta Delgada "Tanto Mar"; 2015 - Galeria do Casino Estoril "A conta que Deus fez"; 2016 - Galeria MAC, Lisboa "Pastoreando núvens"; 2017 - Galeria CNAP, Lisboa "Nem festins, nem aplausos"; 2017 - Centro Municipal de Cultura, Ponta Delgada "Tanto céu"; 2018 - Galeria Fábula Úrbis, Lisboa "Outros Lugares"; 2019 - Museu Convento dos Loios, Sta Maria da Feira "Amélia e Fernando"; 2019 - Galeria Artview, Lisboa "Impossívelmente Real" 25 Cadávres-Exquis com Cruzeiro Seixas.


Exposições Colectivas

1982/2013 - Salões de Outono do Casino Estoril; 1986 - Galeria Tempo, Lisboa; 1989 - Exponor, Porto; 1989 - Galeria da Praça, Porto; 1990 - Missão de Macau "Retratos de Eugénio de Andrade", Lisboa; 1990 - Instituto Cultural de Macau "Retratos de Eugénio de Andrade" ; 1990 - Festas da Cidade, C.M. Lisboa; 1990 - Galeria Sépia, Braga; 1990 - Galeria Neupergama, Torres Novas; 1991 - 1ª Mostra de Artes Plásticas Luso-Africanas, Porto; 1991 - Cooperativa Árvore, Porto; 1992/2007 - Galeria G, Lisboa; 1992/2007 - Galeria São Francisco, Lisboa; 1992 - Galerie Art Direct, Paris; 1992 - Galerie Magellan, Paris; 1992 - Trienal Latina, Braga; 1993 - Centro Cultural de Belém, Lisboa; 1993 - Galeria Neupergama, Torres Novas; 1993 - Galeria Soctip, Lisboa; 1994 - Galeria São Francisco "Surrealistas Portugueses", Lisboa; 1994 - 1º Salão de Prestígio FIL, Lisboa; 1995 - Feirarte 95, Braga; 1996 - SNBA, Lisboa; 1996 - Galeria Gymnásio "Naturezas", Lisboa; 1996 - Feira de Arte Contemporânea, Porto; 1997 - Igreja de Santiago, Monsaraz; 1997 - Galeria Vandelli, Coimbra; 1997 - Feira de Arte Contemporânea, Madeira – Funchal; 1997 - Feira de Arte Contemporânea, Lisboa; 1998 - Galeria Século XVII, Leiria; 1998 - Galeria Ao Quadrado, Stª Maria da Feira; 1998 - Galeria São Francisco, Lisboa; 1998 - Galeria Gymnásio "Carmen", Lisboa; 1998 - Câmara Municipal da Amadora – Espólio Municipal; 1998 - Galeria Pirâmide, Lisboa; 1998 - Ministério do Exército, Macau; 1998/2006 - Galeria Inter-Atrium, Porto; 1999 - Bienal do Avante; 1999 - Ministério da Justiça, Lisboa; 1999 - 25éme Anniversaire D'Avril, Bobigny – França; 1999 - Feira de Arte Contemporânea, Lisboa; 1999 - Galeria Pomar dos Artistas "Um Olhar sobre Portugal", Lisboa; 1999 - Associação Fernando Pessoa, Lisboa; 2000 - Feira de Arte Contemporânea, Lisboa; 2000 - Feira de Arte Contemporânea, Madeira – Funchal; 2001 - Galeria Galveias, Lisboa; 2001 - Bienal do Avante; 2001 - Feira de Arte Contemporânea, Porto; 2002 - Galeria Cógito, Setúbal; 2002 - Galeira Iosephus, Lisboa; 2002/2007 - Galeria Ao Quadrado, Stª Maria da Feira; 2003 - Galeria Mouraria, Funchal - Madeira; 2003 - Colégio St. Julian's, Carcavelos; 2003 - Padrão dos Descobrimentos, Lisboa; 2003 - Bienal do Avante; 2003 - Feira de Arte Contemporânea, Estoril; 2004 - Galeria Pirâmide, Lisboa; 2005 - Galeria Alexandra Irigoyen, Madrid; 2005 - Bienal do Avante, Seixal; 2005 - Bienal do Montijo; 2006 - Galeria Atlântica, Açores; 2006 - Feira de Arte Contemporânea, Lisboa; 2007 - Arte Madrid, Madrid; 2008 - Exposição Internacional de Surrealismo Actual, Coimbra; 2009 - Exposição Internacional de Surrealismo, Santiago do Chile; 2010 - Art Madrid - Galeria Perve; 2010 - Galeria do Casino Estoril; 2011 - Art Madrid - Galeria Perve; 2011 - Feira de Arte Contemporânea, Lisboa; 2012 - Galeria Micro-Arte, Ericeira; 2013 - FIL Lisboa - Galeria Perve; 2015 - Galeria Perve "Homenagem a Teixeira de Pascoais"; 2015 - Espaço Europa-América, Lisboa; 2016 - Galeria Acervo, Lisboa; 2016 - Galeria Rastro, Figueira da Foz; 2017 - Palácio Egito, Oeiras.